Quimeras
Já me cansa
ter esperança
de tanta quimera desfeita
aprendi a existir de sobras,
neste tempo de quases e nuncas.
Morro
de tanta vida por viver.
Calo-me
de quanta palavra esbanjada.
Desvaneço
de tanto beijo adiado.
O meu quarto
é o mundo inteiro sem mundo.
Quem me dera ser anjo
e sentir leve a terra
sob os meus pés alados.
Quem me dera
uma casa de nascença,
quem me dera um lume de crença,
um incêndio de todos os recomeços.
Quem dera
o quarto fosse de barro tenro,
um lugar de príncipe e princípios.
No sono
em que finjo adormecer
perco a noite
e o seu balouço de sonhos.
Sob o umbral da insônia
dou de beber a anjos
que se extinguem
na poeira dos desertos
Mia Couto
In 'Vagas e Lumes'