terça-feira, 4 de outubro de 2022

Poema de Mia Couto

 

Quimeras

Já me cansa

ter esperança

de tanta quimera desfeita

aprendi a existir de sobras,

neste tempo de quases e nuncas.

Morro

de tanta vida por viver.

Calo-me

de quanta palavra esbanjada.

Desvaneço

de tanto beijo adiado.

O meu quarto

é o mundo inteiro sem mundo.

Quem me dera ser anjo

e sentir leve a terra

sob os meus pés alados.

Quem me dera

uma casa de nascença,

quem me dera um lume de crença,

um incêndio de todos os recomeços.

Quem dera

o quarto fosse de barro tenro,

um lugar de príncipe e princípios.

No sono

em que finjo adormecer

perco a noite

e o seu balouço de sonhos.

Sob o umbral da insônia 

dou de beber a anjos

que se extinguem

na poeira dos desertos

Mia Couto

In  'Vagas e Lumes'


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