sábado, 26 de outubro de 2024

Chuva fina de Cecília Meireles

 

Chuva fina,
matutina,
manselinho orvalho quase:
névoa tênue sobre a selva,
pela relva,
desdobrada, etérea gaze.

Chuva fina,
matutina,
o pardal de húmidas penas,
a folhagem e a formosa
clara rosa,
sonham que és seu sonho, apenas.

Chuva fina,
matutina,
pelo sol evaporada,
como sonho pressentida
e esquecida
no clarão da madrugada.

Chuva fina,
matutina:
brilham flores, brilham asas
brilham as telhas das casas
em tuas águas velidas
e em teu silêncio brunidas...

Chuva fina,
matutina,
que te foste a outras paragens.
Invisível peregrina,
clara operária divina,
entre límpidas viagens.


Cecília Meireles
In Metal Rosicler

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Os 100 Melhores Poemas Portugueses dos Últimos 100 Anos

Camilo Pessanha

Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, porque não vos fixais ?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!...
Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
- Porque ides sem mlm, não me levais?
Sem vós o que são os meus olhos abertos?
- O espelho inútil, meus olhos pagãos!
Aridez de sucessivos desertos...
Fica sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão casual de meus dedos incertos,
- Estranha sombra em momentos vãos.

( Antologia Seleccionada e Organizada, por José Mário Silva)